por Lua Bueno
(originalmente publicado na revista virtual TXTmagazine, em 2019)
Quando falamos em “tradição” geralmente está relacionado a um sistema de crenças e histórias que são transmitidas por meio de oralidade. Sendo assim, são referência aos povos que mantém suas culturas primárias, povos indígenas ou autóctones, a saber, naturais de um país ou região em que habita e descende de povos que ali sempre viveram.
Aqui no Brasil a gente tem aquele período indianista, constantemente estudado na escola, que são os romances com temáticas indígenas, escritos por brancos. À parte toda a discussão do protagonismo, uma coisa pode-se dizer: a difusão da cultura indígena – deturpada ou não – começa aí, em um membro de cultura estrangeira que compartilha o que viu e entendeu (ou não entendeu nada, às vezes acontece, né?), com outras culturas estrangeiras. Bem, o ponto é que desperta o interesse do sujeito mais curioso a ir buscar mais e mais informações sobre aquelas histórias ou culturas tão diferentes.
Claro que existem muitos pontos negativos: não é porque o sujeito “difunde a cultura” que está fazendo certo ou realmente fortalecendo aquele povo. Mas existe esse aspecto sim, especialmente quando o povo tradicional entende que pode usar isso ao seu favor. É disso que eu gostaria de falar um pouco com vocês.
Desde 2016 eu comecei a usar meu tempo na universidade para pesquisar sobre o povo Ainu e suas narrativas. Entender sua cultura e, enfim, aprofundar em suas histórias. Mas esse interesse vinha de muitos anos atrás, por conta do contato que tive com o longa chamado Mononoke Hime (Princesa Mononoke), lançado em 1997, do diretor mundialmente famoso Hayao Miyazaki. Essa produção foi responsável por sua maior visibilidade fora do Japão. Nessa época, não era costume trazer animações japonesas para o cinema, ainda mais se a temática não fosse infantil. Dessa forma, existiam clubes que se reuniam para traduzir os filmes e exibir para fãs de animação e cultura japonesa. Foi numa dessas sessões que pude ver esse filme.
E, de imediato, é perceptível a diferença entre o personagem principal, Ashitaka, em comparação aos outros, já com vestimentas mais tradicionais japonesas, velhas conhecidas dos fãs que pesquisam e tem seu olhar habituado a elas.
Ainda adolescente, eu nunca havia sabido daquelas pessoas ou cultura que apareceram no longa-metragem, apenas vimos que eles eram chamados “emishi”. Uma amiga era aluna de Japonês da escola modelo de Brasília (escola de cultura e língua japonesa, também recebe alunos intercambistas do Japão), e quando a questionamos, a informação que ela conseguiu foi algo como “são como índios, mas já não existem mais”.
Hoje em dia, associo isso à famosa declaração de Luiz de Souza Dantas (Embaixador Brasileiro na França nos anos 30) dada ao famoso antropólogo francês Lévi-Strauss, quando este lhe pergunta sobre os índios no Brasil: “Ah, meu senhor, no Brasil há muito tempo não há mais índios. Esta é uma historia muito triste, mas o fato é que os índios foram exterminados pelos portugueses, pelos colonizadores, e hoje não há mais índios no Brasil. É um capitulo muito triste da história brasileira. Há muitas coisas apaixonantes a serem vistas no Brasil, mas índios, não há mais um só…” (Infelizmente para Souza Dantas, esta seria mais uma, entre algumas tantas, declarações que não escaparia ao conhecimento público, nem à internet. A saber, são mais de 200 povos diferentes que habitam no território brasileiro, hoje em dia. Àquela época, certamente seriam mais).
Segui a adolescência pensando que, infelizmente, aquele povo de Ashitaka (protagonista de Mononoke Hime), assim como os indígenas daqui, haviam sido “exterminados”. Assim foi pelo menos até a internet se popularizar e conseguir ter uma melhor ideia de quem seriam os emishi (em tradução livre, poderia ser algo como “bárbaros”). Logo descobri que, além de não haver material em português, havia pouco disponível ao alcance da internet. Deixaria isso de lado até a vida adulta, em que o interesse pessoal sobre cultura indígena me levaria a pesquisar por conta própria sobre o que seriam os “índios do Japão”. Eles na verdade chamam a si mesmos, Ainu, que significa, em uma tradução simplória; ser humano.
Descobri que, no mesmo ano e mesmo mês de lançamento do anime Mononoke Hime (Julho de 1997), foi assinada a Ainu Shinpo (Lei Ainu), uma série de medidas que garantiria aos Ainu a liberdade de crença e prática de sua cultura, bem como o reconhecimento de minoria étnica. Desde o século XIX os Ainu lutavam por sua liberdade cultural, então é uma data notável em sua história.
Diante essa coincidência entre o lançamento de Mononoke Hime e a criação da Ainu Shinpo (no mesmo mês, do mesmo ano, 1997), me veio à mente uma pergunta: É possível que tenha existido alguma influência entre esses dois acontecimentos? No caso, como o anime estava sendo produzido há muito tempo, pensei que talvez as movimentações civis dos Ainu, intensificadas desde os anos 70, poderiam ter influenciado em algumas escolhas do diretor. Mas diante a impossibilidade de verificar isso, decidi pesquisar em quais momentos temos essas mesmas “coincidências”: uma conquista Ainu significante, e um lançamento de produto de entretenimento que trouxesse algum personagem e/ou questão Ainu.
Haveria influência da cultura pop na aceitação de algo pelo seu público, sendo esse algo uma coisa qualquer como: forma de comportamento, cultura, hábitos, etc. Ao abordar assuntos tabus ou mesmo desconhecidos pelo publico mainstream, teria uma obra de entretenimento o poder de influenciar as pessoas a ponto de causar não só curiosidade, mas aceitação de algum conceito?
Mas antes de entrar nisso, vamos só esclarecer alguns pontos:
Quem são os Ainu e qual é a sua história?
Segundo Emori Susumu, historiador de Hokkaido, os Ainu são descendentes diretos dos Setsumon (Proto-Ainus), que eram conhecidos pelos japoneses como watarashima emishi (significando basicamente “os emishi que atravessaram a ilha” e aqui concluímos que de fato, nos registros japoneses não faziam – ou não sabiam fazer – qualquer distinção entre povos diferentes denominando todos de emishi) que mediante troca cultural com o povo Okhotsk (vindos das ilhas Kurilas e Sakalinas e possivelmente Rússia) incorporou alguns de seus costumes, formando posteriormente o que conheceríamos hoje em dia como o povo Ainu moderno.
Apesar de habitarem a região de Hokkaido, ilhas Kurilas e Sakalinas desde o século VIII, podendo ser considerados um dos povos autóctones do país, os Ainu passaram por longos e penosos anos de reclusão e tomada de direitos por parte do governo dominante japonês, em especial a partir da Era Meiji (segunda metade do séc XIX). Os efeitos dessa dominação são sentidos até os dias de hoje, embora exista uma preocupação do governo atual e parte da população em combater o preconceito e garantir a autonomia cultural do povo Ainu. Abordada desde meados dos anos 40, a questão dos direitos Ainu ainda é discutida, visto que somente em 2008 o governo Japonês os reconheceu publicamente como Povo indígena, os incluindo sob a proteção e direitos das normas da “United Nation”, mas que somente agora, no ano de 2019 se fala sobre o reconhecimento em lei. Por mais que algumas associações combatam o aculturamento e a visão de que os Ainu são incivilizados, ainda há muito com o que se trabalhar para retirar do imaginário japonês a visão negativa sobre o povo Ainu, que podem ser evidenciados em pesquisas ainda recentes.
“De acordo com a pesquisa realizada em 2006 pelo governo de Hokkaido, a população Ainu de Hokkaido estava entre 23.782 pessoas. Muitos Ainu e pessoas de origem mestiça anseiam esquecer sobre sua origem e até o momento presente há muitos deles que temem ser discriminados e preferem esconder sua origem Ainu. Portanto, é difícil estimar o número exato de pessoas que tem ao Ainu como base étnica. Atualmente o número dessas populações vivendo especialmente em Hokkaido é estimado entre 25.000 e 50.000 indivíduos, mas somente muito poucos falam o idioma Ainu”. Tjeerd de Graaf (publicado em 19 de Janeiro de 2016 no site da Unesco).
E dados mais recentes ainda:
“(…) uma pesquisa do governo de 2015 com 1.000 pessoas que se identificaram como Ainu apurou que 72% dos entrevistados ainda acreditavam que estavam sendo discriminados. Ao mesmo tempo, 50% do grupo estava entre 40 e 69 anos, com as gerações mais jovens aparentemente menos afetadas.
A mesma pesquisa, no entanto, mostrou que apenas 33% dos Ainu passaram para o ensino superior, em comparação com uma média de 46% para todas as pessoas em áreas onde residem Ainu. Além disso, um relatório diferente do Centro de Estudos Ainu e Indígenas da Universidade de Hokkaido, em 2015, descobriu que 13% dos Ainu que entraram no ensino médio desistiram. A média nacional foi de cerca de 2%, segundo os números do Ministério da Educação de 2010 mostram”. Sakura Murakami (Publicado em 25 de fevereiro de 2019, The Japan Time).
Citando Neko Case “é tão claro que é quase transparente” entender que centenas de anos de supressão da cultura Ainu e imposição à aderência da cultura dominante japonesa criou esse afastamento, e que agora, por meio do reconhecimento de que existem sim, diferenças culturais e elas devem ser mantidas – e que elas não são nocivas ao pensamento de unidade do povo japonês –, os esforços tanto da comunidade Ainu quanto do governo é diminuir esse impacto.
Mas, antes de leis escritas em pedaços de papel e discutidas por parlamentares, estamos falando aqui de cultura, não é mesmo? Aquilo que acontece de forma orgânica na nossa frente enquanto estamos nesse fluxo chamado vida.
Ainu e cultura pop japonesa?
A cultura pop japonesa que conhecemos hoje devido a sua ampla divulgação nos anos 90 é consequência dos costumes dos jovens japoneses da década de 70 e 80. Nos dias de hoje, os traços típicos do mangá – difundidos pelo chamado “pai” do mangá Osamu Tezuka (criador dos mundialmente reconhecidos Kimba o leão branco, a princesa e o cavaleiro e muitos mais)-, estão em revistas, quadrinhos, animação, videogames, livros didáticos e todo tipo imaginável de produtos, incluindo cartilhas governamentais. Sendo usado para uma variedade incontável de fins, essa cosmética é usada (principalmente) para o entretenimento. Nos intervalos de suas responsabilidades estudantis ou empregatícias, é comum encontrar japoneses consumindo algum desses produtos.
Pensando nisso, seria a cultura pop japonesa uma importante ferramenta na divulgação da cultura Ainu, a fim de introduzir no cenário comum japonês, a presença e as particularidades dos Ainu, não de forma negativa, mas com respeito e valorização de sua cultura?
No livro do escritor Haruki Murakami, 1Q84 (volume 1) lançado em 2009 – É interessante lembrar que, apesar do ano de lançamento do livro, a história se passa em 1984 – há um capitulo em que o personagem aborda a viagem de Tchekov pelas ilhas Sacalinas e que cita algo bem claro e incisivo:
“(…) No entanto, não podemos esquecer que os Ainus também foram expulsos para Sacalina por pressão dos japoneses”
Mas antes desse livro, o mesmo autor lançou em 1982 outro, chamado Caçando Carneiros (hitsuji o meguru bôken) e há um capitulo inteiro falando sobre a formação de um vilarejo fictício (ou não?) em Hokkaido, à aproximadamente 200 quilômetros de Sapporo que só existiu de fato graças à presença de um Ainu:
“Uma coisa porém, é certa: sem o guia (Ainu), os pioneiros não teriam conseguido sobreviver aos rigores do primeiro inverno. O jovem Ainu ensinou aos colonizadores como colher vegetais durante o inverno, proteger-se da neve, pescar em rio congelado, preparar armadilhas para lobos, espantar ursos afoitos em período de pré hibernação, reconhecer mudanças climáticas pela direção do vento, cuidar de membros congelados, grelhar raízes de bambus para torna-las mais saborosas e derrubar coníferas em uma direção preestabelecidas. E assim, os lavradores passaram a valorizar o jovem Ainu, e este por sua vez recuperou a autoconfiança.”
Particularmente encaro essa passagem como uma referência à própria mitologia Ainu, onde o deus (kamui) formador do povo Ainu, Okikirmui, ensinou tudo o que os Ainus sabem sobre a natureza e comportamento. Bem como o jovem Ainu fez com esses colonizadores japoneses. A ultima frase é emblemática, pois diante da valorização de um grupo sob suas habilidades, o jovem Ainu se torna confiante. Talvez seja essa uma forma clara de dizer que, ao se reconhecer e valorizar algo, esse algo (ou alguém) florescerá com mais vitalidade.
O reconhecimento do valor e dos costumes Ainu pelas pessoas – no caso, sociedade japonesa – influencia diretamente no comportamento desse povo que é uma minoria no território japonês.
Foi o que me levou a pesquisar a relação temporal entre lançamentos de produtos de entretenimento e conquistas civis do povo Ainu. Mais à frente, apresento esses achados em forma de tabela. Não podem ser considerados conclusivos, entretanto não podemos tampouco ignorar a proximidade entre os acontecimentos.
Os Ainu no J-Pop: Relações temporais entre movimentações político-sociais Ainu e o lançamento de produtos de entretenimento que contenham personagens e/ou questões Ainu.
Os Ainu tiveram que suportar a exploração e a discriminação até 1960, quando o movimento nacional e internacional de direitos humanos e civis provocou os jovens Ainu a reivindicar seus direitos e aumentar o acesso à riqueza e ao poder.
Influenciados pelo movimento mundial de direitos civis e humanos (que ganhou força ainda maior nos anos 70), os Ainu começaram a procurar e reivindicar suas identidades. A associação Ainu Kyôkai (associação Ainu) muda para Utari Kyôkai (“associação amigos”. “Utari” é palavra Ainu para “amigo”), porque a palavra Ainu evoca muitas memórias dolorosas de discriminação. Isso é porque os japoneses muitas vezes se referiam aos Ainu como “inu” suprimindo a primeira letra propositalmente. “Inu” em japonês é cachorro.
Entretanto, a palavra “Ainu”, como dito anteriormente, significa “humano”, mas não tão simplesmente. Honda Katsuichi também comenta que a palavra “Ainu”, em comparação à palavra japonesa hito (“pessoa”), por si só carrega um sentimento de exaltação, semelhante à expressão japonesa hito no naka no hito (“um humano entre os humanos”), conforme Kayano Shigeru cita sobre sua mãe: “Era de seu princípio nos educar, nos ensinar a ser Ainu nenoan Ainu, seres humanos semelhantes aos seres humanos.” (KAYANO 1994, pg. 56).
Ainu significa “ser humano”, mas não significa “todos os seres humanos”. Nós não chamamos as pessoas más de Ainu. Nós os chamamos de wenpo. Nós usamos a palavra Ainu para “Ainu nenoan Ainu“, que significa “humanamente ser humano”. Consequentemente, Ainu significa um ser humano digno de respeito. Hashine Naohiko, 1977, Publicado na revista Alcheringa.
Dessa forma, ser Ainu é muito mais do que apenas ser uma pessoa. Ter esse conceito ridicularizado foi motivo de vergonha durante muito tempo, mas os movimentos contemporâneos lutam para superar essa vergonha e hoje entendem que ser chamado de Ainu é motivo de orgulho, e assim passam para as gerações mais jovens.
Conquistas e movimentações civis e Cultura J-pop
Anos 60
·1961: Questões Ainu apareceram pela primeira vez nos estudos de livros sociais. | ·1962: Yuusha Dan (Brave Dan) de Osamu Tezuka. ·1968: Horus, prince of the Sun. História baseada em uma tipica narrativa Ainu (yukar) chamada “Okikurumi to akuma no ko”. Transformada para ter seu cenário em um lugar não especifico da Escandinávia devido à decisão da produtora que achava que mencionar os Ainu seria não-vendável. |
Anos 70
·1978: Os livros didáticos do ensino médio têm incluído capítulos sobre história e cultura Ainu. | ·1972: Hayao Miyazaki faz o episódio piloto da série Yuki’s Sun, onde a personagem principal tinha um amigo de origem Ainu. A série não foi produzida. ·1977: Diz-se que Miyazaki começou o roteiro que daria a origem ao longametragem Mononoke Hime em meados do ano de 1977, tendo definido mais próximo de como seria o produto final por volta de 1991. |
Anos 80
·1984: O Conselho de Hokkaido da Educação preparou material didático para a história e a cultura Ainu. ·1987: o Utari Association solicitou que a Universidade Hokkaido de Educação ministrasse um curso em história e cultura Ainu. | ·1985: Kamui no Ken. Seu personagem principal, Jiro, é um jovem mestiço nipo-Ainu, que deseja aprender sobre sua ascendência. Parte de sua jornada ele fica cara a cara com a opressão aos Ainu. Faz referencia aos conflitos com o clã Matsumae. 1982: Lançamento do livro Caçando Carneiros (hitsuji o meguru bôken) do escritor Haruki Murakami, onde ele aborda sobre a criação de uma vila graças ao conhecimento de um Ainu junto aos camponeses japoneses. O Ainu não tem papel central, mas esse pedaço da história ocupa um bom lugar na narrativa. |
Anos 90
·1992: O Conselho de Hokkaido da Educação produz o manual “Diretrizes para o Ensino de História e Cultura Ainu” para cada escola de ensino médio em Hokkaido. ·1994: Shigeru Kayano, um Ainu, ingressa na politica japonesa pelo Partido Social Democrático. ·1997: Em Julho foi criada a “Ainu Shinpo” (lei Ainu) a fim de proteger sua cultura e linguagem, tirando da mão do governo da província a liberdade de interferir nos costumes do povo Ainu. Nesse ano, o governo japonês reconheceu os Ainu como uma minoria étnica. Foi a primeira vez desde a formação do Japão, que o governo os reconhece. Nesse ano, criou-se a Foundation for Research and Promotion of Ainu Culture’ (FRPAC), sitiada em Hokkaido. | 1994: criação do jogo Samurai Spirits, tendo como personagem mais popular Nakoruru, declaradamente Ainu. Ela tornou-se mascote da empresa SNK e fez parte da campanha de conscientização ecológica. Sua popularidade é imensa, e ela já foi inserida em 11 jogos. ·1997: lançamento de Mononoke Hime em 12 de Julho. A história traz um personagem principal de origem Emishi (ainda haviam discussões naquela época sobre a origem Ainu, e quais as diferenças entre Ainu e emishi). imagem do anime. ·1998: Shaman King, série de mangá e anime, traz um casal de irmãos Ainu: Horohoro e Pirika onde é explorado e evidenciado pontos do sistema de crenças Ainu. Incluindo os koro-pok-guru. |
Anos 00
2005/2006: O relator especial da ONU Doudou Diene visitou oficialmente o Japão em 2005 como parte de um estudo sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial , xenofobia e intolerância correlata , e ele concluiu que ” no Japão … que não existem instrumentos que efetivem o princípio geral da igualdade ou ofereçam sanções contra atos discriminatórios cometidos por indivíduos , empresas ou ONGs ” . O governo japonês , obviamente, envergonhado por suas conclusões , queixou-se à Comissão de Direitos Humanos em 2006 que Diene tinha feito “muitas declarações que estavam além do mandato do relator especial”. ● 2008: Em 2008, a passagem da UNDRIP (United Nations Declaration on the rights of Indigenous Peoples), pressionou o governo no sentido de reconhecimento da indianidade dos Ainu, enquanto outras formas de pressão internacional precederam a declaração (as declarações de Diene em 2005). O governo japonês declara publicamente o reconhecimento dos Ainu como povo indígena. | cena anime.·2005: lançamento do episódio duplo “Lullabies of the lost verse” do anime Samurai Champloo. Traz um personagem Ainu, Okuru. Retrata a dominação e conflitos dos Ainu com o clã Matsumae. · edição japonesa 2009/2010: Lançamento do livro 1Q84 volume 1 do escritor Haruki Murakami. Ele dedica um capitulo inteiro para falar da viagem de Tchekov às ilhas Sacalinas e aponta claramente sobre a expulsão dos Ainu para lá, devido a pressão dos japoneses. |
Anos 10 (voltando aos 10, mas no século XXI)
2019: O Japão finalmente leva em frente sua declaração de 2008, deixando de ser apenas uma declaração pública de reconhecimento do povo Ainu como indígenas, mas oficializa-a. Inserem essa declaração na lei, com projetos que visam a promoção e manutenção da cultura Ainu. | ·2014: lançamento do mangá Golden Kamuy, tendo como um dos protagonistas uma moça Ainu. Além de contar com a consultoria de um estudioso da cultura e língua Ainu da Universidade de Chiba. O mangá reconhecidamente faz vários apontamentos sobre a cultura Ainu, de forma até bem didática e carismática, sem idealizar o povo como “seres puros da natureza”. 2017: começa a ser postado em plataforma web o mangá Akorokotan. Feito por Narita Hidetoshi, que é estudioso e especialista em língua e cultura Ainu. |
Conforme disse antes, não há como comprovar a influência direta dessas movimentações sociais na decisão dos criadores desses produtos de entretenimento. Em contrapartida, é perfeitamente possível perceber que quanto maior a conquista civil, mais informações e conhecimento sobre o povo esses criadores tem. Sem dúvida, a conquista de espaço garante que esse legado é passado para um público mais abrangente, que talvez por muitas vezes, não tivesse interesse particular na figura Ainu (ou de um povo tradicional seja ele qual for), mas que pelo contato com o produto teve a oportunidade de conhecer mais e confrontar os seus próprios pré-conceitos sobre o tema.
INDICAÇÕES:
Alguns produtos pop que apresentam o povo Ainu (ou influências da cultura). Abaixo, algumas alternativas de produtos de entretenimento que trazem algum personagem ou traço da cultura Ainu em destaque. Nos produtos que listei na tabela acima, alguns deles apresentam personagens, mas eles não tem maior notoriedade ou protagonismo. Nos títulos abaixo, existe maior foco nos Ainu.
Mangá:
- Golden Kamuy (tem anime também, igualmente bom)
- Akorokotan (apenas em japonês, por enquanto)
Livros:
- Our land Was a Forest, Kayano Shigeru (livro de memórias e histórias sobre os Ainu, com a perspectiva de Kayano Shigeru, o primeiro Ainu que chegou ao congresso japonês).
- The Ainu and the fox, Kayano Shigeru (livro ilustrado com a história sobre a raposa, destinado a um público infanto juvenil)
- Harukor: an Ainu woman’s tale, Katsuichi Honda (livro com pesquisa e também uma ficção baseada nessa pesquisa do jornalista)
- The Song The Owl God Sang: the collected Ainu legends of Chiri Yukie. Project Okikirmui. Tradução do livro Ainu Shinyoushuu, escrito por Chiri Yukie. O primeiro livro que traz os poemas épicos Ainu (yukar) registrados e traduzidos por uma Ainu.
- Horror Oriental (seleção de contos orientais, entre eles há um de origem Ainu).
- Horror Oriental II (seleção de contos orientais, entre eles há um de origem Ainu).
- Irui kon’nin no mukashi banashi (contos fantásticos do Japão, entre eles há um de origem Ainu).
- Raposas, contos fantásticos orientais (entre eles há um de origem Ainu).
- Gatos, contos fantásticos orientais (entre eles há um de origem Ainu).
- Do lendário ao raro (assinatura de livro digital, vários de origem ainu).
Filmes
- Mononoke Hime, estúdio Gibli. (nota: Miyazaki declara que Ashitaka é emishi e não Ainu, ainda assim, vale a pena dar uma olhada, visto que não há ainda possibilidade de dizer que um emishi não era um ainu e que ele não declara o nome do povo de Ashitaka.)
- Ainu Mosir (a terra dos Ainu), Takeshi Fukunaga, 2020. Apresenta a história de um jovem menino Ainu e trata de questões em torno do conflito entre seus pensamentos pessoais, o Japão moderno e o modo de sua herança tradicional Ainu.
Jogos
- Samurai Spirits ou Samurai Shodow, SNK (personagens Ainu)
- Okami, Capcom (influência e referência Ainu em locais e personagens)
Música
- Oki Dub Ainu Band. banda que mistura os instrumentos tradicionais com uma pegada mais contemporânea.
ATUALIDADE
Campanha de financiamento coletivo para publicação de livro de contos ainu: Noites de Hokkaidô (até dia 8 de março, apoie!).
REFERÊNCIAS DESTE TEXTO:
Tjeerd de Graaf. Cátedra UNESCO diversitat linguistica i cultural “the Ainu in Japan”
The Japan Times. Japan’s Ainu recognition bill: What does it mean for Hokkaido’s indigenous people?
HONDA, Katsuichi. Ainu Minzoku (1993). Harukor: an Ainu owman’s tale. Califórnia: University of California Press, 2000, pg 12
Alcheringa: ethnopoetics, Boston, v. 3 issue 1, 1977.
INDICAÇÕES DE LEITURA PARA APROFUNDAMENTO SOBRE OS AINU:
Ainus foram “expulsos” pra o norte. Se for ver a verdadeira história foram massacrados e quase exterminados…