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Laieikawai: uma epopeia clássica com mulheres protagonistas

Enquanto antigos textos clássicos exaltam heróis homens em seus épicos, os polinésios destacam a força e a coragem femininas com Laieikawai e suas irmãs

Todos os grandes povos têm seus grandes contos épicos. Os gregos têm a Ilíada e a Odisseia, os romanos a Eneida, os portugueses Os Lusíadas, e os polinésios tem o Laieikawai.

Escrito por S. N. Haleole e publicado originalmente em 1863, o Ke Kaao o Laieikawai (“Romance Havaiano de Laieikawai”) é a primeira obra de literatura escrita por um havaiano nativo. Inspirado na mitologia havaiana e nas histórias antigas mantidas vivas através da tradição oral, o Laieikawai é fruto de um esforço concentrado em produzir uma obra cultural unicamente polinésia.

O livro foi escrito em uma época de grandes mudanças para o Havaí. Haleole foi parte da primeira geração de havaianos nativos que recebeu educação norte-americana, oriunda dos missionários que haviam chegado a essa região alguns anos antes de seu nascimento. Devido a isso, Haleole reconheceu que a cultura de sua terra mudaria para sempre e resolveu registrar tanto quanto pôde dessa cultura na sua obra, para que um resquício das tradições milenares da Polinésia pudesse se manter vivo através de seu livro.

A narrativa foca nas irmãs gêmeas Laieikawai e Laielohelohe, filhas de um grande chefe que havia jurado matar todas as filhas mulheres que nascessem até que ele tivesse um filho homem. Como a mãe das meninas já estava muito triste pela morte de suas primeiras filhas, ao saber do sexo de Laieikawai e Laielohelohe, escondeu o nascimento destas e as confiou aos avós das meninas para que fossem criadas em segredo. 

irmãs hula, por Carol Collette

As irmãs se tornam mulheres belíssimas, e Laieikawai em particular é cortejada por Aiwohikupua, chefe da ilha de Kauai que ouve falar da beleza de Laieikawai e resolve casar-se com ela. Ele parte, então, para onde a menina estava, em Paliuli, e envia suas cinco irmãs para convencerem a beldade a aceitá-lo como marido. Entretanto, ela rejeita as quatro primeiras, o que faz com que o jovem chefe volte furioso para casa, abandonando as irmãs. Contudo, talvez ele tenha sido precipitado, pois Laieikawai se encanta com a irmã mais nova e, ao saber que as cinco haviam sido abandonadas em sua ilha, resolve acolher a todas como suas guardiãs e companheiras. 

Entretanto, mesmo em um verdadeiro paraíso na terra como o Havaí, nem tudo são flores, e as jovens passam por diversas aventuras e infortúnios após isso, demonstrando o valor dos votos e da fidelidade para essa cultura. É justo destacar que boa parte dos problemas são criados pelos pretendentes, o que faz jus ao ditado popular havaiano que vai à capa de uma de suas edições: “Quando a árvore wiliwili floresce, os tubarões a mordem…” (segundo os havaianos, isso quer dizer que “Uma bela mulher atrai os jovens homens que se tornam ferozes rivais dela”) e por isso é maravilhoso ver personagens femininas engenhosas e livres para lidar e solucionar seus problemas. No mais quanto às reviravoltas, deixaremos os detalhes para que vocês, leitores, os descubram através da leitura do livro. Basta dizer que, assim como o mar é tão presente nessa cultura, a narrativa é tão fascinante quanto imprevisível!

Inclusive é digna de destaque a importância que o povo polinésio dá ao mar. Alguns personagens são destacados pelas suas habilidades no surfe, que é muito mais do que apenas um esporte ou um passatempo para os havaianos, chegando a ser um aspecto religioso ritualístico dessa cultura. Os polinésios acreditavam que, ao surfar, conseguiam se conectar com os deuses e os elementos naturais, criando assim uma ponte entre o mundo místico e terreno.

Além disso, são muito frequentes as menções à viagem marítima, com os personagens sempre velejando daqui para ali, passeando por todas as ilhas do arquipélago havaiano, e podemos perceber o quão importante era esse aspecto para a cultura local. O melhor exemplo disso é a personagem Aiwohikupua, o jovem chefe que corteja Laieikawai. Ele havia feito um juramento que não se casaria com nenhuma das moças de sua ilha, preferindo procurar uma esposa na “ilha das boas mulheres”. Isso ilustra perfeitamente a importância da peregrinação, a busca pelas terras distantes e a necessidade de não permanecer no mesmo lugar – aspectos que permeiam a cultura e tradição polinésia.

Com tanta riqueza de detalhes e tradições, pode-se dizer que Haleole cumpriu de forma magnífica seu objetivo de preservar sua cultura através dessa obra, uma verdadeira joia escondida da literatura mundial.

E, para ajudar a preservar essa memória, esse livro está disponível em português pela primeira vez, financiado pela Laboralivros (selo Urso) através do Catarse e agora em pré-venda exclusiva no site da editora, com 10% de desconto.

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