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Viajar no tempo e espaço é possível: conheça a Tôkaidô de Utagawa Hiroshige

O artista foi responsável pela mais famosa série de gravuras sobre a tradicional estrada que cortava o Japão de norte a sul
Caso você queira viajar de Tóquio a Quioto, hoje em dia, há um trem-bala que atravessa os 515 km que separam as duas cidades em aproximadamente duas horas e quarenta minutos. Ou pode-se pegar um avião, o que levaria aproximadamente uma hora e meia de viagem. No começo do século XIX, entretanto, essas opções não existiam, e o caminho deveria ser feito a pé, levando três semanas entre a capital do Xogum, Edo (hoje conhecida como Tóquio), à capital do Imperador, Quioto.

O que hoje podemos pensar como apenas uma viagem cansativa era na verdade a efervescência da cultura japonesa! Graças a essa estrada, a cultura japonesa floresceu como nunca, afinal eram 53 estações de descanso (e checagem) onde viajantes de todo o Japão se encontravam. Comerciantes, trupes de teatro, artistas, escritores, todo tipo de gente que se pode imaginar. 

É o que podemos observar no livro As Cinquenta e Três Estações da Tôkaidô: Edição Hoeido, lançado pela Laboralivros (selo Urso), que conta com uma coleção de 55 gravuras do renomado artista (tido como o último grande mestre do ukiyo-e) Utagawa Hiroshige (1797-1858).
O artista fez parte de uma delegação que transportava cavalos para a corte imperial em 1832 e acompanhou a comitiva por todo o trajeto de ida e volta através da Tokâidô. As vistas encontradas pelo caminho causaram tamanha impressão em Utagawa que ele fez inúmeros esboços durante a viagem. Ao chegar em casa, imediatamente começou a produzir as primeiras xilogravuras do que se tornaria a coleção As 53 Estações da Tôkaidô.
Utagawa criou 55 gravuras no total, uma para cada uma das 53 estações, assim como uma para o ponto de início na Nihonbashi em Edo e o ponto de chegada em Sanjo Ôhashi, em Quioto. 

 
Cada aspecto abordado pelo artista seria apenas um belo e despercebido detalhe se não fosse acompanhado pelas análises meticulosas pelo professor doutor Junichi Ôkubo, especialista em ukiyo-e e pesquisador do Museu Nacional da História Japonesa de Tóquio, que complementa perfeitamente os belíssimos traços das gravuras, trazendo notas históricas e culturais sobre as estações ao longo da estrada, fazendo com que esse livro se torne um verdadeiro túnel do tempo, permitindo-nos explorar um Japão muito diferente do qual estamos acostumados.

Fora dos grandes centros metropolitanos – como Tóquio e Quioto –, o Japão do começo do século XIX era pacato, sendo as estações retratadas por Utagawa pequenos pontos de movimento e atividade interrompendo a quietude dos vilarejos rurais onde os camponeses sobreviviam à base da agricultura. Esse Japão, tão raramente retratado, foi o foco de Utagawa, e muitas de suas gravuras ilustram a tranquila vida rural dos pequenos vilarejos ao longo da estrada.

Outro ponto interessante para se analisar nas imagens de Utagawa são as paisagens de natureza ainda indomada, os lagos, as bacias e as montanhas do Japão rural. Em especial, o Monte Fuji figura no plano de fundo de diversas das gravuras, imponente e venerável.
Não é à toa que a viagem por essa estrada era considerada uma jornada indispensável para a formação de certa identidade cultural, experimentada não só por pessoas comuns como por todo grande artista do Japão feudal, como Utagawa, Kuniyoshi, Bashô, Hokusai e tantos outros.

Embora hoje em dia a velocidade dos nossos meios de transporte não nos permita apreciar a jornada da forma como ela merece, e os avanços urbanos do nosso tempo tenham transformado radicalmente a geografia japonesa, sempre teremos os artistas dos tempos antigos que tanto se empenharam em registrar o fascínio e a admiração que tinham por seu país, criando portais para uma época que podemos acessar ao folhear as páginas dos livros.
O livro As cinquenta e três estações da Tôkaidô: edição Hoeidô tem formato de paisagem em tamanho 29×21, com capa dura e miolo em couchê; a tradução é de Jovanca Kamizi Ichikawa e conta com prefácio do mestre Diogo Kaupatez (especialista em ukiyo-e e Hokusai), posfácio de Satomi Oishi Azuma (professora da UFPR).

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